Luz de poesia

Sonetos da vida
Sep 20, 2024
3 min read
6
126
0
I
João e Maria
[A vaidade gera inimigos]
Vão distantes os dias em que a vi;
eras bela e me havias prometido
o éden amoroso e enobrecido
e mil juras de amor fiz para ti.
Mas daquele amor pulcro e verdadeiro,
e do céu de venturas esperado,
só restou-me tormento malsinado,
que consome a minha alma por inteiro.
Não me amavas, fingias tão somente,
e, agora, te persigo, inclemente,
pois tornastes o amado em inimigo.
Morri, eu sei, e ainda não te esqueço,
sofro cá o quanto aí sofri, e padeço,
por odiar-te, amando estar contigo.
II
João
[A dor suplica pela paz]
Ó, Senhor, que sofrer não posso mais,
e, por isso, em humilde rogativa,
peço a ti permissão para que eu viva
nova vida e que cessem os meus ais.
Todo ódio que eu sentia me cegou
e não via a desdita em que vivia,
nem pensava que os males que fazia
forjavam mil algemas onde estou.
Faz séculos que estou nesta rotina
de encarnar e volver à triste sina
do fracasso que sempre se renova.
Eis que sigo, esperando, finalmente,
triunfar dessa dor onipresente
praticando as lições da Boa Nova.
III
Maria
[O arrependimento]
Alma irmã, eu fui tola e imprevidente,
atendendo aos caprichos do meu ego,
mas, hoje, mil remorsos eu carrego.
Piedade, te imploro, humildemente.
Também eu sofro acerba provação
porque ouço os clamores de revolta
dos irmãos que feri e estão à volta
aguardando de mim reparação.
A dor eu escolhi por conselheira,
mas o Evangelho é luz e sementeira
de bênçãos na lavoura da aflição.
Vou pronta reparar o mal que fiz,
sou do Mestre novíssima aprendiz
na senda da sublime redenção.
IV
Maria
[A expiação]
Nesta existência, tenho suportado
o fel da ingratidão e do abandono,
como se os tons escuros do outono
da minha vida houvessem se apossado.
Vivo triste, sozinha e malquerida,
nenhuma vez me amaram de verdade;
e antevejo que a dor e a falsidade
hão de seguir-me desta à outra vida.
Ainda assim, eu sofro conformada,
e levo a Deus a prece renovada,
em súplica de amparo e proteção.
Não vejo do porquê tanto sofrer,
mas pressinto que é hora de colher
o joio que plantei no coração.
V
Maria
[O regresso à pátria espiritual]
Alma amiga que tornas hoje ao lar,
vinda de longa e rude provação,
vencestes as refregas da lição
da compaixão que fostes conquistar.
Provastes de abandono e solidão
para melhor viver a humildade,
a virtude sublime que a bondade
de Deus nos oferece por timão.
Descansa da vitória a muito custo,
mas cedo te prepare para o justo
resgate dos irmãos que transviastes.
Essa luz que ora lanças no caminho
clareia-te os passos para o ninho
dos corações que tu amortalhastes.
VI
Maria e João
[A reparação]
Era pobre e sonhara desde cedo
com a fortuna de amar e muitos filhos,
que seriam alegres estribilhos
do lar no qual o amor seria o enredo.
Mas os dias felizes que sonhei
e o doce lar de amores não vingaram,
foram flores plantadas que murcharam
nos canteiros de intrigas que adubei.
Os órfãos abracei tal minha sina,
e adotei a flor tenra e pequenina
para ser-lhes a mãe doce e amorosa.
Os filhos adotados eram flores
que lancei no jardim dos amargores
e recolhi na taipa gloriosa.
Soneto de José Marcos Trad
Fev/24






